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Obesidade infantil: uma complicação para toda a vida

Por Fabiana Salgado, Nutricionista da Clínica da Criança e do Adolescente

A obesidade infantil cresce de forma assustadora, representando um grave problema de saúde pública na atualidade. Em nosso país, que ainda briga contra a miséria e a fome, é irônico, mas real: o excesso de peso ultrapassa a desnutrição.

O critério mais utilizado para se identificar quem é e quem não é obeso é o IMC, um índice que diz quanto uma pessoa pesa por metro quadrado. A partir dele e com uma tabela referência de IMC por idade, classifica-se como magreza grave, magreza, peso ideal (eutrofia), sobrepeso, obesidade e obesidade grave. Mas só o IMC pode nos levar a erros. Por exemplo, um halterofilista pode ter peso e altura iguais aos de um obeso. Na criança os erros são ainda maiores e o uso de percentuais de gordura são uma medida ainda mais duvidosa, já que a criança precisa mesmo daquela gordurinha a mais para crescer, tem períodos pré estirão com maior ganho de peso, e muito mais… Público difícil de avaliar, hein?!

No público infantil, acompanhamos as medidas individuais pelas curvas de crescimento, que mostram a evolução da circunferência da cabeça, do peso, do comprimento/altura da criança e do IMC ao longo do tempo. Assim como, e mais ainda do que no público adulto, o IMC não pode ser um diagnóstico final. Mas não é o percentual de gordura o tira-teima do pequeno! É preciso olhar para questões genéticas, hábitos familiares, tipo de alimentação e muito mais.

Um erro muito comum é supor que a criança com sobrepeso esteja com peso “normal” quando sua altura também é maior, e muitas vezes seu IMC, alegando-se que aquele é um “bebê grandão”. Na verdade, as coisas acontecem em ordem inversa. Entenda: a criança precisa daquela gordurinha a mais para crescer, eu já disse isso. Mas o lance é que ela primeiro ganha peso. Depois, cresce. Necessariamente nessa ordem. No cenário anabólico que o corpinho infantil é, o excesso de gordura da criança gordinha gera um crescimento mais rápido, o que não quer dizer que ela será maior no futuro, já que a altura final está meio que escrita nas estrelas (ou nos genes!). O crescimento acelerado traz as mesmas consequências de qualquer processo acelerado: não é tão “caprichado” quanto aquele que acontece em seu tempo. Cada órgão do nosso corpo cresce em velocidade diferente, e essa mudança de velocidade leva alguns deles a perdas. Os ossos são um bom exemplo.

Se por um lado podemos ocultar o excesso de peso, por outro, podemos nos precipitar no diagnóstico de obesidade. Bebês em aleitamento materno exclusivo em livre demanda têm a melhor e mais indicada fonte e esquema de nutrição possível, mas às vezes podem ultrapassar (e muito!) as curvas de referência. O aleitamento materno traz imensa contribuição e, dentre elas, é fator protetivo contra sobrepeso e obesidade por toda a vida. Bebê em aleitamento materno exclusivo em livre demanda, independentemente de seu peso, não é obeso devido ao aleitamento materno! A livre demanda é uma prática desejável independentemente do peso do bebê. Regular o peito não é uma contribuição anti obesidade. O aleitamento materno exclusivo em livre demanda, sim. Se um dia você vir uma orientação de regular peito porque o bebê está gordinho, fuja! Não é assim que a banda toca.

Na verdade, é ele, o aleitamento materno, o cuidado inicial contra sobrepeso e obesidade, seguido pelos hábitos alimentares a serem cultivados desde o início da alimentação da criança. E venhamos e convenhamos… Não há como proteger uma criança contra uma casa onde se come mal. Assim, cuidar da alimentação da criança deve ser sinônimo de cuidar da alimentação da família. É claro que precisamos reconhecer o valor das fases iniciais da alimentação infantil, quando há maior crescimento, desenvolvimento, formação do sistema imunológico, do paladar…, mas é a relação construída com o alimento, a cultura alimentar, que será carregada por uma vida inteira.

A obesidade é uma doença multifatorial e representa a ponta do iceberg. Há questões fisiológicas, emocionais, comportamentais…, que vão desde a tendência genética até a dificuldade em diferenciar e lidar com os sentimentos. No entanto, o cenário no qual a criança está inserida exerce papel decisivo. Ainda que haja uma grande e frequente procura por alimentos, dificilmente chegamos à obesidade quando eles são alimentos in natura. São os alimentos processados e ultra processados que merecem vigília.

Frutas, folhas, leguminosas e legumes são ricos em fibra, proporcionando bem estar e maior saciedade. Além disso, eles são menos calóricos, aumentando o volume do prato em menos calorias e mais nutrientes. As carnes e ovos trazem sabor e gordura; e os cereais, raízes e tubérculos trazem energia de fácil absorção. Comida de verdade não é o nosso problema.

É mantendo a sua casa livre do excesso de temperos prontos, farinhas refinadas, doces, biscoitos, embutidos, enlatados…, descascando mais e desembalando menos, que você contribui para um ambiente que não favorece a obesidade do seu filho.

Não é condenando as quantidades e a qualidade do que a criança come que você conseguirá chegar lá. Na verdade, crianças não possuem maturidade cerebral para exercerem esse controle. Crianças não fazem compras nem organizam refeições. A abordagem junto a elas deve ser extremamente gentil e o contrário pode levar à insatisfação corporal, baixa autoestima, e ainda menos ânimo, menos amor próprio para se cuidar.

As consequências da obesidade são sérias e são muitas. Um obeso pode viver até 10 anos menos do que uma pessoa de peso regular. Diabetes, hipertensão, dislipidemias, distúrbios hormonais, insatisfação corporal, distúrbios alimentares, depressão… São todos problemas mais propensos ao obeso.

Quanto antes a obesidade é tratada, maiores as chances de que ela não seja levada para o futuro. Crianças obesas possuem 75% de chances de serem adolescentes obesos e adolescentes obesos chegam a ter 89% de chances de serem adultos obesos.

A maior vantagem da intervenção precoce é usarmos o crescimento da criança a nosso favor! Como ela vai crescer, as alterações dietéticas são pequenas e o peso vai se regulando conforme o crescimento vai acontecendo. Por outro lado, é fundamental que tal intervenção seja especializada, de forma que esse crescimento e a relação da criança com a comida não sejam prejudicados. É por isso que o profissional ideal para guiar a família nas mudanças que levarão à desejada regulação do peso corporal é o nutricionista materno infantil. Com uma visão a longo prazo, abordagem gentil e colaboração de toda a família, é possível fazer ajustes em passos ideais ao seu contexto, pois o que importa não é a velocidade, mas a direção.

Clínica da Criança e do Adolescente. A saúde do seu filho sob controle.